O texto que segue abaixo reproduzido no Blog DNA Santástico foi extraído de coluna originalmente publicada no site Ribeirão Preto Online.
O autor é o jornalista e ex-narrador esportivo Sr. Flávio Araújo, amigo que tive a honra de conhecer pessoalmente lá em Águas de Santa Bárbara, cidade na qual meus pais residem.
APLAUSOS DE PELÉ: O MENINO MERECIA
De repente, não mais que de repente como diria o poeta, luzes se apagaram e o pequeno estádio mergulhou na escuridão total.
Apenas um desses apagões tão comuns em nosso futebol em pequenas e grandes cidades e que na Argentina já motivou até o cancelamento de um clássico da seleção local contra o Brasil.
Locutores e comentaristas se viravam com as explicações usuais nessas falhas recorrentes em nossos estádios onde mesmo com os refletores expandindo o máximo de sua carga jamais iluminavam o necessário para as partidas noturnas.
O primeiro tempo havia terminado no amistoso entre Santos e Portuguesa Santista que se realizava no velho estádio de Ulrico Mursa, Avenida Pinheiro Machado, bem pertinho da histórica Santa Casa de Santos, jogo que se realizava exatamente para a festiva inauguração do sistema de iluminação.
Eis que a luz volta de inopino e o que se vê é surpresa para todos nós que ali estávamos: os jogadores do Santos estavam perfilados em duas filas indianas perpendiculares ao portão por onde se adentrava para o gramado da velha praça esportiva.
Alguém entra correndo no meio das duas filas e aplaudido pelos que a formavam se apresenta aos nossos olhos depois de atravessá-las por completos.
Ninguém sabia quem era, nada fora divulgado a respeito.
Os repórteres de campo entraram em ação e o saudoso Ethel Rodrigues nos informa que o Santos iria estrear um novo atacante naquele segundo tempo.
Foi quando pela primeira vez vimos o menino Coutinho num campo de futebol.
A APRESENTAÇÃO DA DESCOBERTA DE LUIS ALONSO
Lembrei-me imediatamente de uma conversa que mantivera com Lula, o técnico santista e que ao contrário de seu homônimo de apelido que viria muitos anos depois era uma criatura simples e que não se julgava o dono do mundo.
Naquele tempo não havia a divulgação dos dias atuais e o Santos mesmo sendo um revelador de jogadores por excelência não os mostrava antes que chegasse a hora.
Se a crônica da cidade sabia de quem se tratava e sobre alguns fazia qualquer divulgação isso não chegava a transpor as alturas da Serra do Mar.
Assim fora com Pelé e com todos os outros que formavam naquele grande esquadrão, maioria vinda das equipes inferiores do próprio clube ou de cidades do interior.
Era comum nas viagens a Santos passar pelo posto de gasolina do técnico Lula e com ele manter um dedo de prosa.
Numa dessas visitas alguns meses antes Lula me dissera para esperar uma surpresa: estava preparando um garoto que faria sensação quando lançado.
Esqueci o assunto já que o comum era o Santos estar sempre apresentando novas faces e que nem sempre vingavam.
Principalmente porque a concorrência ali era tremenda.
Hoje acontece o mesmo no capítulo revelações, apenas que a divulgação é constante e rádios, televisões e jornais repetem à saciedade o nome dos garotos que estão saindo do forno.
Alguns até deixando o clube antes da hora por exigirem salários milionários, caso, por exemplo, do menino Jean Chera, que pelo menos até agora ninguém viu brilhar em outra equipe.
Foi dessa maneira que a grande imprensa paulista ficou conhecendo Coutinho, o menino que faria sensação ao lado de Pelé e comporia a dupla que mais se harmonizou na troca de passes curtos e tabelinhas geniais não apenas no futebol brasileiro, mas em escala mundial.
UMA PRELIMINAR EM PIRACICABA
No ano de 1955 o Santos enfrentava o XV de Novembro em Piracicaba e Luis Alonso tinha sua atenção atraída por um menino de 12 anos que na preliminar defendia os infantis do clube local.
Naquele tempo não havia futebol profissional ou amador que não fosse precedido por uma preliminar que muitas vezes suplantava em qualidade ao jogo principal.
Lula gostou tanto da atuação do garoto que convenceu seus pais a consentir que o levasse para Santos e o alojou na mesma pensão onde vivia na época outro menino, este vindo de Bauru de onde o antigo craque Valdemar de Brito o trouxera.
Seu nome, Edson, seu apelido, Pelé, embora o grande Jair Rosa Pinto o chamasse de “gasolina”, apelido que não pegou.
Não foi fácil segurar Coutinho por tanto tempo e com tão pouca idade (nascera em Piracicaba no dia 11 de junho de 1943) e principalmente depois que viu seu companheiro de acomodação ser lançado e causar furor.
Por mais de uma vez Lula teve de usar toda sua psicologia para evitar que o menino cujo nome em verdade era Wilson voltasse para Piracicaba e a alegação de que sua idade não permitia ainda sua inclusão nos profissionais não o convencia.
Até que chegou o ano de 1958, o garoto ia completar 15 anos e Lula achou que a hora era chegada.
Foi num amistoso em Goiás (17.05.1958) contra um desconhecido Sírio Libanês FC que ele entrou em campo pela primeira vez substituindo exatamente ao célebre Jair.
O Santos venceu por 7 a 1 e mesmo jogando poucos minutos deixou ali o seu primeiro gol com a camisa santista.
Depois foi incluído em outros amistosos, 9 no total, mas todos em excursões.
Jogou em Ponta Grossa, Cornélio Procópio, Londrina, Itajubá, o que não faltava era amistoso para aquele Santos de tantos craques e que ainda não conquistara o mundo.
Finalmente surgiu aquela partida na inauguração dos refletores da Portuguesa Santista e Lula considerou que o menino, mais encorpado e com 15 anos e 6 meses poderia finalmente ser mostrado aos torcedores santistas.
A entrada em campo com recepção triunfal e com o aplauso daquele grupo de cobras era uma manobra psicológica para o convencer de que estava em boa companhia e que já ganhara o respeito e aprovação dos famosos companheiros.
Isso aconteceu no dia 27 de novembro de 1958, Pelé já era campeão do mundo e o menino que se lançava no grande futebol com a camisa 9 do Santos não tinha ainda um nome definitivo
Antoninho Fernandes era uma figura lendária como jogador no Santos e substituiria Lula como técnico quando este saiu para o Corinthians em 1968.
Ernani Franco, locutor esportivo da Rádio Atlântica e dono da maior audiência na cidade tentou então batizar a revelação como Antoninho a partir daquele jogo, mas o garoto não aceitou.
Argumentou que sua mãe o chamava de “Cotinho” e se era para receber um apelido exigia que fosse o que trouxera de casa.
Os próprios narradores se incumbiram da rápida transformação de Cotinho para Coutinho e o resto é história que todos sabem.
Pelé e Coutinho formaram a mais perfeita dupla de atacantes que o futebol brasileiro conseguiu unir em muitos anos e até hoje não tivemos outra com tal perfeição de entendimento.
Não confirmo que Coutinho usava um bracelete, ou um pano amarrado a uma das mãos para diferenciá-lo de Pelé, embora naquela época fossem permitidos o uso de anéis e brincos.
Só muito depois estes foram proibidos e substituídos pelas indefectíveis e horrorosas tatuagens.
Acontece que por estar com um pequeno problema em um dos pulsos Coutinho atuara durante alguns jogos com esparadrapo no mesmo e isso proporcionou ao narrador Pedro Luiz, numa entrevista na TV Excelsior, a sugestão para que oficializasse o uso de uma marca que o diferenciasse do rei do futebol, com o que, de imediato, Coutinho não concordou.
Também é fato inegável, embora sempre desmentido, que entre ambos havia um entendimento perfeito como dupla de atacantes, mas fora de campo nunca foram amigos e Coutinho sempre guardou uma certa dose de ciúmes da grandiosidade que atingiu seu companheiro de ataque.
Esse, é possível, seja um dos motivos pelo qual o descuido com seus problemas glandulares tanto o prejudicassem e o excesso de peso precipitasse o encerramento de sua carreira de forma tão precoce.
Fato para psiquiatra explicar.
Se mágoa havia por parte de Coutinho quanto ao reinado absoluto de Pelé o entendimento dentro de campo era o de irmãos siameses.
Transmiti, inclusive, de Porto Alegre, o célebre jogo em que ambos, com toques de cabeça vieram desde o meio de campo penetrando na defesa do Grêmio sem que ninguém conseguisse desarmá-los até que Coutinho não devolveu a bola a Pelé e sim a Lima que os acompanhava na corrida e concluiu para o gol.
Também narrei a partida em que os dois infernizaram a defesa da Alemanha em Hamburgo no dia 5 de maio de 1963, vitória do Brasil por 2 a 1, um gol de cada.
Embora curta a carreira de Antônio Wilson Vieira Honório ficou marcada por 457 jogos com a camisa do Santos com 370 gols conquistados.
Já na seleção participou apenas de 15 jogos com 6 gols marcados e sua principal chance seria na Copa de 1962 quando a dupla estava no auge.
Pelé se contundiu seriamente no segundo jogo e Coutinho passou toda a Copa como reserva de Vavá.
Em 1968, com apenas 25 anos já se via ultrapassado no Santos cedendo ao peso do corpo e foi emprestado ao Vitória e à Portuguesa retornando em 1970 ocasião em que diz ter recebido um recado de João Saldanha que o queria na seleção para a campanha no México ao lado de Pelé.
Esse comentário jamais foi comprovado e principalmente por já ter o Santos em Toninho Guerreiro, convocado para as eliminatórias da Copa, um substituto que fazia os gols necessários embora jamais tenha sido o companheiro ideal para formar ao lado de Pelé.
Coutinho, gordo, sem a anterior mobilidade, mas ainda brilhante com a bola dominada na área adversária tentou algo no Atlas do México onde ficou por poucas partidas, esteve no Bangu e encerrou a carreira com 30 anos no Saad.
Curiosamente seu último gol no futebol foi exatamente contra o time do Santos.
Tentou trabalhar como técnico, mas jamais conseguiu ir além de treinar equipes de base do Santos e nas praias da cidade continuou por muitos anos praticando seus esportes favoritos.
Bater uma bolinha entre uma cervejinha e muitas outras.
(Flávio Araújo)
Saiba mais sobre Flávio Araújo
Flávio Araújo, nasceu na cidade paulista de Presidente Prudente, lá iniciou sua carreira no rádio em 1950.
Depois militou no rádio esportivo e na imprensa esportiva da cidade de São Paulo cerca de 30 anos.
Trabalhou de 1957 até 1982 na Rádio Bandeirantes, onde se consagrou um maravilhoso narrador esportivo.
Encerrou suas atividades na cidade de São Paulo em 1986 na Fundação Cásper Líbero como Superintendente de Esportes da Rádio e TV Gazeta, nos tempos do saudoso Constantino Cury no comando do tradicional grupo de comunicação da Avenida Paulista.
Posteriormente trabalhou por mais 10 anos como comentarista esportivo na Rádio Central de Campinas-SP (de propriedade do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia).
Flávio Araújo também foi co-proprietário da Rádio Cultura-AM de Poços de Caldas-MG.
A narração do milésimo gol do Rei Pelé escolhida pelos produtores do filme Pelé Eterno para integrar a obra é de Flávio Araújo. Aliás, segundo Milton Neves, Flávio Araújo foi o locutor que mais narrou jogos do glorioso Santos Futebol Clube e gols do Rei Pelé.
Ao longo de sua brilhante carreira transmitiu tudo sobre futebol, boxe, basquete e automobilismo.
Atualmente Flávio Araújo reside numa bela e tranquila cidade do interior paulista, onde ainda milita com histórias do futebol escrevendo colunas para sites e jornais.
Vale a pena conferir abaixo entrevista concedida, em 2009, por Flávio Araújo para André York do Programa Arremate Final. Contém áudios espetaculares de narrações de Flávio Araújo.
Bom, é isso aí! O Blog DNA Santástico, na figura de seu mantenedor Edmar Junior, agradece ao Sr. Flávio Araújo pela autorização para publicação de vossos textos no blog e parabeniza-lhe pelos excelentes serviços prestados ao esporte ao longo de toda sua trajetória.